segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Saídas para a crise: ultra-neoliberalismo ou pós-neoliberalismo?

O alvorecer no século XXI dá-se num mundo mais turbulento, injusto e violento, marcado por conflitos interimperialistas, agressões dos Estados imperialistas aos povos latino-americanos, africanos e asiáticos e conflitos sociais. A autodeterminação dos povos, a paz e as liberdades democráticas sofrem a cada dia novos ataques do capital.

A quebra de uma parte grande do sistema financeiro dos EUA desencadeou uma crise de grandes proporções. Mais que uma crise financeira trata-se da crise da globalização neoliberal. Diferente das crises financeiras anteriores, que ocorreram na semi-periferia do sistema e na forma de crises cambiais, essa atinge o núcleo do capitalismo. Devido ao “papel dirigente” dos EUA na economia, de seu alto endividamento e à sua ampla penetração nos fluxos financeiros internacionais, a quebra (e reorganização) do seu capital financeiro tem impacto mundial.

Enfrentamos uma crise sistêmica da globalização financeira. E nela estão presentes dimensões estruturais do capitalismo, como o predomínio do capital financeiro, dos valores liberais como a apologia dos mercados, do sistema de poder imperialista como a interação entre o poder militar dos EUA e o capital financeiro.

Nesse sentido, afirmamos que a humanidade encontra-se defrontada com uma crise de civilização em um sentido histórico amplo. Ela deve ser entendida como uma crise de civilização por três razões combinadas: evidencia a incapacidade dos EUA de organizarem o sistema capitalista mundial – seu sistema de poder, sua economia, seus valores – a partir do seu domínio ou liderança; ela vem vinculada à consciência incontornável de que os padrões e dinâmicas da civilização do capital são incompatíveis com a sobrevivência do planeta; ela demonstra que os grandes problemas da humanidade não podem encontrar solução duradoura nos marcos, valores e instituições do capitalismo.

Afirmar, no entanto, que estamos em meio a uma crise da “civilização” capitalista, que estruturará as conjunturas históricas do século XXI, não significa afirmar que estamos diante de revoluções socialistas. Em crises estruturais anteriores, a luta política contava com a pressão direta ou sob a sombra indireta da existência de alternativas socialistas ou mais progressistas. No cenário global de hoje, não há um novo paradigma pronto para substituir o neoliberalismo. A reestruturação das forças de esquerda é tão plausível quanto a ressurreição das forças de direita e os desdobramentos dependerão fundamentalmente da luta política travada em cada país e também entre os blocos de países.

Não se pode subestimar a força acumulada pelo capital e as derrotas infringidas aos trabalhadores e às forças de esquerda nos cerca de 30 anos de supremacia neoliberal. Na Europa e Estados Unidos, a ausência de forças socialistas com potencial hegemônico, o enfraquecimento e fragmentação dos movimentos sociais e a acomodação da social-democracia  esvaziou a possibilidade de uma reação pós-neoliberal diante da crise e deixou aberto o caminho para a reorganização intensificada do discurso e das políticas neoliberais.

Nos Estados imperialistas centrais o aparelho estatal é profundamente dominado por grandes grupos financeiros. Este controle conferiu ampla “liberdade” de ação para “salvar” bancos, seguradoras e financiadoras, sem qualquer crivo democrático, e aprofundou o endividamento público dessas economias.  Há nesses países o aprofundamento da crise e o crescimento do número daqueles que defendem políticas fiscais e monetárias mais restritivas, com redução de déficits públicos e cortes orçamentários. A crise do neoliberalismo tem oferecido a si própria receitas de caráter ultraliberal.

A negociação do pagamento da dívida dos chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), impôs aos povos desses países as velhas soluções de corte de direitos sociais para salvar os bancos. Tais medidas ampliam o foço já existente entre as classes internamente a esses países, como também reforçam a concentração do poder político e econômico favoravelmente à Alemanha, credora da União Européia.

Nos EUA, o recente impasse quanto ao teto do endividamento público resultou em uma negociação no Congresso americano que, uma vez mais, reduz gastos por meio de cortes orçamentários sem aumento de impostos para os setores mais ricos da sociedade. A permissão para o aumento da dívida pública americana custará corte de programas sociais e transferências trilionárias de recursos aos rentistas. Como nos países europeus, os cortes ampliam o desemprego e reforçam a concentração de riquezas.

A radicalização da crise nos anos anteriores, com aumentos exponenciais dos preços das commodities, sobretudo dos alimentos, restrição dos fluxos comerciais, baixo crescimento mundial e aumento do desemprego abalou também os países do Oriente Médio e Norte da África. Ali as consequências se condensaram na luta pela democratização dos países, comandadas até então por ditaduras aliadas aos Estados Unidos e a Europa. O grave contexto de crise social foi a base para os levantes populares em países como a Tunísia, Egito, Líbia, entre outros, que acabou por derrubar os regimes ditatoriais e abrir a possibilidade para transições democráticas.

A mobilização popular nesses países, com forte influência nacionalista, poderá restringir ainda mais a capacidade de controle imperialista sob a região. No entanto, até agora os EUA conseguiram estabelecer relações com grupos locais, continuando a incidir sobre os destinos desses países. No caso da Líbia, onde sustentavam abertamente o ditador Kaddafi, agora lideram os bombardeios criminosos da OTAN, apoiando o cerco dos rebelados contra o regime.

Na América do Sul, a crise atingiu o crescimento econômico também pela redução do comércio exterior, em especial dos preços de produtos primários exportáveis. De forma diferenciada, conforme o grau de dependência, a capacidade de gerar emprego e de distribuir renda passou a sofrer mais limitações. A diferença fundamental é que aqui a presença de governos  com fortes laços com os movimentos sociais, na maioria dos países fez com que se produzissem respostas progressistas e anti-cíclicas à crise. Com grande esforço, esses países conseguiram transitar pelas linhas de menor resistência apresentando algumas alternativas, derrotando o ideário neoliberal e mantendo aberta a possibilidade de transformações mais profundas.

As saídas para a crise ainda estão indeterminadas, mas isso não significa que os caminhos sejam aleatórios, construídos anarquicamente. Elas exigirão a capacidade de apresentar alternativas econômicas e políticas pós-neoliberais e com potencial socialista somente possível com o fortalecimento da integração sul-americana.  A solidificação do bloco sul-americano aliado ao conjunto de países emergentes poderá ter condições de contrapor na geopolítica mundial o predomínio das alternativas ultra-liberais em curso nos países centrais.

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